O Reportorio geral de tres mil oito centos processos, que sam todos os despachados neste sancto Officio de Goa & mais partes da India, do anno de Mil & quinhentos & secenta & huum , que começou o dito sancto Officio atè o anno de Mil & seis centos & e vinte & tres, com a lista dos Inquisitores que tem sido nelle, & dos autos públicos da Fee, que se tem celebrado na dita Cidade de Goa foi redigido pelo deputado e promotor João Delgado Figueira, posteriormente o décimo quarto inquisidor do Oriente, e mais tarde ainda transferido para o tribunal de Évora[1]. Figueira chegou em Goa em 1618, começando quase que de imediato a redigir o Reportorio. Pelo que consta, João Delgado teve muito trabalho com a organização do documento, pois os arquivos do tribunal de  Goa estavam, naquela época, em total desordem, impossibilitando uma consulta aos documentos do “secreto” de forma prática. Era seu papel colocá-los em ordem[2].

         Este importante documento se encontra hoje em dia na Biblioteca Nacional de Lisboa, e abarca as seis primeiras décadas de funcionamento do tribunal, mais especificamente o período que vai, como mencionado no seu título, de 1561 a 1623, sendo composto por 651 fólios, a maior parte deles dedicado a elencar, em ordem alfabética e cronológica, as pessoas que passaram pelos cárceres do Santo Ofício goês, com informações sobre o lugar de origem e de residência, profissão, nome de pais e cônjuges, delitos e penas, dando assim uma imagem geral da ação inquisitorial naquele período.

          Muitos autores já fizeram uso do Reportorio, como Antônio Baião em seu livro A Inquisição de Goa, publicado ainda na década de 1930. Mais recentemente, ele foi também utilizado por Charles Amiel, por James C. Boyajian, por José Alberto Tavim, Ângela Barreto Xavier e Giuseppe Marcocci, em seus trabalhos sobre a Inquisição e a sociedade local[3]. O documento serviu assim a diversas pesquisas, porém apenas como um repositório de exemplos de onde os citados autores colheram alguns dados isolados. Apenas Charles Amiel fez um estudo mais avançado do documento, fornecendo algumas porcentagens (44% dos réus foram julgados por gentilidade, 18% por islamismo e 9% por judaísmo), mas uma edição sistemática do documento, fornecendo dados mais detalhados sobre os delitos ou sobre os réus, nunca chegou a ser publicada[4]. Ou seja, documento em si nunca foi analisado de modo sistemático, apesar do consenso na historiografia sobre a sua importância. José Alberto Tavim, ao relembrar que Charles Amiel chama o documento de “fonte capital para a história religiosa da Índia portuguesa”, completa: “Mas não só. Através dele traça-se um dos capítulos maiores dessa história, ainda tão esquecida, do quotidiano dos portugueses na Índia, dos outros que se ‘converteram’, em parte, ao cristianismo, e se ‘portugalizaram’; e dos cambiantes cultos paralelos, sempre reprimidos, mas sempre imergentes ao longo dos fólios do velho códice, ou seja, na sequência dos séculos retidos em papel”[5].

 

            Este site fornece à comunidade acadêmica e ao público interessado a sistematização do Reportorio sob a forma de uma base de dados descarregável, assim como um introdução ao documento e a transcrição dos curtos textos que precedem o inventário de João Delgado Figueira.

 

 

 

 

APRESENTAÇÃO

Uma base de dados dos processos da Inquisição de Goa (1561-1623)

The General inventory of the three thousand and eight hundred lawsuits, which are all those dispatched in this Holy Office of Goa and other parts of India, from the year of 1561, when said Holy Office started its activities until the year of 1623, with the list of its inquisitors, and of the public autodafes celebrated in the said city of Goa was prepared by the Inquisition's "deputado" and prosecutor João Delgado Figueira, who would later become the 14th inquisitor of the East, and even later an inquisitor at Évora's tribunal [1]. Figueira arrived in Goa in 1618, and immediately started to compose the Reportorio. It appear that João Delgado had to work hard to have the document organized, since the archives of the tribunal of Goa were at that time in total disorder, making it difficult to consult the archives' documents in a practical way. It was his duty to put the in order [2].

       This important document is kept by the National Portuguese Library in Lisbon, and covers the first six decades of the tribunal's activities, more specifically, as mentioned in the title, the period ranging from 1561 to 1623. It consists of 651 folios, most listing, in alphabetical and chronological order, those who had to face the inquisitorial judges, with information about their place of birth and of residence, profession, names of parents and spouse, offenses and punishments, thus giving a general image of the inquisitorial activities of that period.

      The Reportorio has already been used by many authors, such as did António Baião in his book A Inquisição de Goa, published as early as the 1930s. More recently Charles Amiel, James C. Boyajian, José Alberto Tavim, Ângela Barreto Xavier, Giuseppe Marcocci and Miguel Lourenço among others, also quoted the document in their works on the Inquisition and the local society [3]. It was therefore useful to many researches, but solely as a repository of examples from which these authors collected some isolated data. Only Charles Amiel conducted a more advanced study of the document, providing some percentages (44% of the defendants were judged for gentility, 18% for Islamism and 9% for Judaism), but a systematic editing of the document, with more detailed data on the offenses or the defendants, was never published [4]. This means that the document itself was never analyzed in a systematic, despite historiographical consensus regarding its importance. José Alberto Tavim, while recalling that Charles Amiel says the document is "a capital source for the religious history of Portuguese India", adds that furthermore "through the Reportorio it is possible to delineate one of the major chapters of the still hugely overlooked history of the daily life of the Portuguese in India, of those who partially 'converted' to Christianity and where 'Lusitanized', and of the changing parallel cults, always repressed, but still visible throughout the pages of the old codex" [5].

 

         This site provides the academic community and the interested public at large, with a systematization of the Reportorio in the form of a downloadable database, as well as an introduction to the document, and the transcription of the short texts that precede João Delgado Figueira’s inventory.

[1] José Alberto Rodrigues da Silva Tavim, «Um Inquisidor Inquirido: João Delgado Figueira e o seu Reportorio no contexto da documentação sobre a Inquisição de Goa», Revista da Biblioteca Nacional de Lisboa, Vol. 1, n.o 3, Abr.-Out. 1997, p. 189.

[2] Idem, pp. 187-188. Sobre Delgado Figueira ver também Célia Tavares, «Inquisição ao avesso: a trajetória de um inquisidor a partir dos registros da Visitação ao Tribunal de Goa», Topoi, Vol. 10, n.o 19, Jul.-Dez. 2009, pp. 17-30.

[3] Charles Amiel e Anne Lima, L’Inquisition de Goa. La relation de Charles Dellon (1687), Paris, Chandeigne, 1997, p. 71; Ch. Amiel, «L’Inquisition de Goa», in Agostino Borromeo (org.), L’Inquisizione. Atti del Simposio internazionale, Città del Vaticano, 29-31 ottobre 1998, Vaticano, Biblioteca Apostolica Vaticana, 2003, p. 240 ║ James Boyajian, Portuguese Trade in Asia under the Habsburgs, 1580-1640, Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1993 ║ J. A. R. da S. Tavim, «A Inquisição no Oriente (século XVI e primeira metade do XVII): algumas perspectivas», Mare Liberum, n.o 15, 1998, pp. 17-31 ║ Ângela Barreto Xavier, A Invenção de Goa. Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII, Lisboa, ICS, 2008 ║ Giuseppe Marcocci, «A fé de um império: a Inquisição no mundo português de Quinhentos», Revista de História, n.º 164, 2011, pp. 65-100; Id., A Consciência de Um Império. Portugal e o seu mundo (sécs. XV-XVII), Coimbra, Imprensa da Universidade, 2012 ║ Miguel Rodrigues Lourenço, O Comissariado do Santo Ofício em Macau (c. 1582-c. 1644). A Cidade do Nome de Deus na China e a articulação da periferia no distrito da Inquisição de Goa, 2 vols., dissertação de mestrado, Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2007.

[4] Ch. Amiel, «Inquisitions modernes: le modèle portuguais», in Histoire du Portugal, Histoire Européenne. Actes du Colloque. Paris 22-23 mai 1986. Paris: Fondation Calouste Gulbenkian/ Centre Culturel Portugais, pp. 50-51. ║ Id. e A. Lima, Estudo introdutório a L’Inquisition de Goa, p. 71. ║ Charles Amiel. “L’Inquisition de Goa”, p. 240.

[5] J. A.R. da S. Tavim, «Um Inquisidor Inquirido», p. 190.

PRESENTATION

 

 

REPORTORIO